quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Ó caloiro anda cá!

Nunca fui grande simpatizante das tradições académicas, em particular das praxes típicas desta altura do ano. A minha avó ainda me deu o dinheiro para o traje mas foi desviado para uma aparelhagem. Claro que quando acabei a licenciatura não me deu nada. Coerências...
Quanto a serenatas logo percebi que eram boas para os pés. Os cortejos... bem isto é cruel mas os bêbedos sempre despertaram a curiosidade e o humor perverso que há em mim. Ainda existiam umas mainfestações académicas animadas, as greves às aulas e fecho das faculdades como forma de protesto. Para além de serem muito democráticas, eram mesmo muito proveitosas.
No que respeita à praxe, não sendo um adepto, considero-a um fenómeno sociológico bastante interessante e complexo. Quero deixar bem claro que apesar de não concordar com a sua existência, não considero que todos que a pratiquem estejam dominados por um desejo malévolo e avassalador de humilhar os novos estudantes. De um modo geral, as pessoas entusiastas da praxe que conheço, com quem já tive interessantes debates, fazem-no ou fizeram-no visando a integração dos caloiros, em tom brincalhão, de um modo mais ou menos criativo mas sem ultrapassar os limites do bom senso. Por outro lado, por tecer estas palavras não julguem que estou aqui a vingar ou a exorcizar as pesadas praxes sofridas. Fui praxado levemente apenas umas 3 vezes e rapidamente fiquei entediado. A juntar a isto, o facto de ter começado a "ranhosar" com os "Doutores" e de não lhes dar grande confiança, acabou com o interesse. Todavia, ainda tive um "padrinho", um colega cabo verdiano chamado Karl Marx (não era alcunha, era mesmo o seu nome pois vinha de uma família muito politizada). Uma excelente pessoa.
Da observação das praxes constatei:
As actividades eram pouco criativas e entediantes;
Havia caloiros que sentiam uma necessidade extrema de serem praxados e notados. Mostravam-se e rebolavam-se para os "Doutores" como mulher de 30 anos, que não quer ficar para tia, num bar de solteiros. Ó necessidade de aceitação!
Notava-se, de forma evidente, que os praxistas mais ríspidos tinham sofrido bastante no seu ano de caloiro. São facilmente identificáveis pois sabem as regrinhas todas do código da praxe e ficam muito agitados e suados quando trajados, liderando o berreiro e as actividades.
Outros, e só depois de os conhecer melhor tive esta percepção, têm na praxe o auge da sua vida. Parece que naquele momento se libertam de anos de opressão e de gozo. É um escape, sentem-se senhores respeitados e temidos, são finalmente alguém. Se isto for terapêutico ao ponto de evitar que mais tarde peguem em armas e façam reféns num banco, nada a dizer. Porém os "Doutores" também sofrem! No meio da algazarra, as fatiotas extremamente quentes, os sapatos apertados, as dores nos pés, o corpo suado, as raparigas com os calcanhares esfolados ou protegidos com adesivo, os collants rotos com pêlos espetados, a voz rouca...
Saliento que nunca presenciei uma situação de abuso e julgo que a generalidade dos intervenientes estava a divertir-se minimamente. Agora se é um bom divertimento... cada um tem os seus gostos.
Mas lembro-me de ouvir algumas histórias sinistras, como a de um conhecido meu que num dormitório foi acordado a meio da noite, preso, despido e rapado na zona púbica. A outro, puseram-lhe algo na bebida e foi a espumar para o hospital.
É óbvio que são casos minoritários, estando longe de definir o que é a praxe. Ainda assim, penso que a integração dos estudantes podia dispensar as pinturas, as macacadas, as cantigas irritantes e situações potencialmente humilhantes. A haver praxe que seja com criatividade.

Como é a cantiga? RFA? Xiribi não sei das quantas? Quando era um caloiro receptivo a experimentar a praxe, ainda tentava cantar, dizia as primeiras palavras depois limitava-me a abrir a boca... não sabia mais!

10 comentários:

Maria Papoila disse...

Identifico-me com tudo o que disseste no teu post. Nunca gostei de praxes e estive prestes a declarar-me anti-praxe quando fui para a faculdade. Só não o fiz porque apesar de ter ido a tribunal de praxe, eles não me chatearam muito. Respondi-lhes à altura e mandei-os c...Fui para a faculdade só mesmo para fazer a licenciatura e pirar-me de lá para voltar para o meu Alentejo. Bem, também me diverti: lady's night, noite do estudante, festinha aqui e ali. Detesto praxes mas o que mais me irritava eram aquelas pessoas que tinham um prazer orgásmico em praxar os outros. E as raparigas que praxavam, meu Deus, que histéricas! Era o auge das suas vidas, como tu referes! Coitados...

FL disse...

Então enfrentaste a tenebrosa justiça académica. Qual foi a infracção?
Por acaso também confirmo o histerismo de algumas mulheres. Fitavam os olhos, identificavam a vítima e faziam a sua perseguição. Essas não tinham muitas amigas.Ah, também havia aquelas que se apegavam à caloira como a um nenuco novo, passeavam-na, mostravam-na...

Maria Papoila disse...

A infracção foi recusar passar mais dias fechada dentro de uma sala, sem comer e sem poder ir à casa-de-banho, com mais não sei quantas pessoas, com quem eles gozaram e humilharam até não poderem mais! Fui a tribunal de praxe e a pena foi limpar casas-de-banho. Recusei, não cumpri o castigo e ainda lhes chamei uns nomes. Não me incomodaram mais mas houve muita gente que não me passou patavina durante o primeiro ano, tudo em prol dessa tão bela tradição académica. Eu queria era fazer a minha vidinha!

FL disse...

Que praxe jeitosa. Também se fizeram isso, não eprdeste nada em não receber a sua patavina.

Blondie disse...

Também identifico-me com o que disseste, achando particularmente piada ao nome do teu padrinho de curso:)
Eu nunca gostei de praxes, apesar de não me ter considerado anti-praxe, porque aquilo até me divertia. Tendo sido praxada pelas meninas de letras, estás a imaginar como deve ter sido. Aquilo era só berros, só cantorias a insultar engenheiros, joguinhos infantis...ah e sempre que as meninas de letras vissem um caloiro jeitoso atiravam-se a ele sem dó nem piedade. Lá tinha o pobre rapaz que fazer tudo que elas mandassem.
Sendo eu menina, elas não me chatearam muito, por isso até me divertia ao ver aquele histerismo colectivo, perspectivando que aquele seria o auge das suas vidas... tal como tu referiste...
portanto até tive uma praxe pacífica, que me permitiu analisar, gozar e reflectircom o que se estava a passar à minha volta.

Blondie disse...

*reflectir sobre

FL disse...

Blondie, então pelo que contas a praxe na tua universidade era uma técnica de engate, não?
O meu colega chama-se realmente Karl Marx. Quando o conheci perguntei-lhe umas 5 vezes se estava a gozar comigo. O pai estava muito envolvido na política de Cabo Verde enquanto ele, curiosamente, não queria saber do assunto.
A propósito de auge e do ênfase nas praxes, por vezes punha a avaliar quem fazia pior figura, os "doutores" ou os caloiros.

Anónimo disse...

Também gosto de apreciar as macacadas das praxes e confesso que até já cheguei a provocá-los. Quando mais nova, mas já "doutora", deslocava-me ao local de afixação das pautas de colocação e fazia-me de jovem caloira à procura do meu nome. Era vê-los a aproximar com sorrisinhos e com cara de "aqui vem mais uma para a desgraça". Não me considero anti-praxe e até defendo a ideia de recepção e de acompanhamento a todos aqueles que se vêem sozinhos e perdidos numa cidade e ambiente novo. No entanto considero o actual acto de praxe um pouco hostil e até violento...
Apoio sim, humilhação não.
Já agora, acho engraçado como muitos (se não a maior parte) dos "doutores" dizem saber tanto de códigos de praxe e comportamentos, e quando se vai a ver não cumprem algumas regras base do uso do traje. Ai, ai...

FL disse...

Que má Mafalda. A enganar os ingénuos "doutores". Eu jamais faria isso :P

Blondie disse...

Sim, é verdade. Sendo uma faculdade maioritariamente de meninas, sempre que avistavam alguém do sexo masculino, faziam-lhe uma marcação cerrada. :)