Como já referi num outro post, os transportes públicos são uma fonte inesgotável de experiências curiosas.
O comboio é dos meus transportes preferidos contudo, quando as viagens se tornam constantes e não existem distracções como a leitura ou a música, a coisa pode ficar bastante monótona.
Esta experiência ocorreu numa dessas viagens, à noite, depois das aulas, num comboio suburbano entre Porto e Aveiro.
Ia eu a pensar nos grandes dilemas do mundo quando, em Ovar, entra um jovem casal brasileiro juntamente com um outro português, perto dos 50 anos, com uma filha. Sentaram-se perto de mim e iniciaram uma conversa incessante.
Pelo que percebi o casal brasileiro estava a trabalhar em Inglaterra, de onde tinham acabado de chegar para visitar alguém no nosso país, antes de seguir para o Brasil de férias. Erradamente, no Porto, apanharam um comboio que terminava a viagem em Ovar, o que os forçou a entrar no meu para seguir para Aveiro. Na espera em Ovar teriam conhecido o casal português e iniciado a conversa.
Então comecei a apreciar o diálogo. Os portugueses, depois de uma exaustiva explicação do funcionamento do sistema ferroviário português, passaram a fazer perguntas sobre a vida do jovem casal (cusquice) em Inglaterra, onde trabalhavam, se viviam bem, onde tinham família no Brasil, etc... Questões que eram respondidas com prontidão, num espírito de abertura próprio do povo brasileiro, mas também com alguma ingenuidade e pureza talvez por causa da sua condição de perdidos no sistema ferroviário de um país que mal conheciam.
Então percebi que se estava naquele momento a criar uma relação entre duas entidades com características que se opunham: experientes (PT) e inexperientes (BR), cicerones (PT) e perdidos (BR), curiosos (PT) e objecto da curiosidade (BR), sábios (PT) e ingénuos (BR).
Entretido com o fenómeno pensei: isto parece uma relação entre o velho país colonizador europeu e a sua colónia.
A certa altura, percebi que o jovem casal começou a questionar sobre o nosso país, ou seja, a liderança da conversa começava a ser posta em causa. Confrontados com a necessidade de resposta, a mulher portuguesa passou a ter um papel passivo, cabendo ao homem liderar a contra-ofensiva usando a sua sabedoria para satisfazer as questões. Contudo, reparei que as respostas eram sempre proclamadas num tom paternalista, parecendo ter o seguinte pensamento subjancente: "ah pobres jovens brasileiros desconhecedores das coisas da vida, recebam o meu conhecimento".
Antes de chegar a Aveiro, o comboio parou em Cacia, onde se situa uma fábrica de pasta de papel do grupo Portucel, a qual liberta um odor nauseabundo.
Foi neste momento que deu o ponto alto da conversa, onde todo a esplendor da sabedoria portuguesa foi emanado.
Perante o cheiro o jovem brasileiro interroga:
- Que cheiro é este?
- Ah, é a fábrica de papel de Cacia. - responde o português.
- O papel é feito de lixo? - questiona o brasileiro com ar enojado.
Perante esta prova de desconhecimento, o português solta um leve sorriso e responde com aquele ar paternalista no intuito de mostrar toda a sua sapiência para brilhar entre os que considera ignorantes:
- Nãooooooo! - pausa para respirar e reforçar o sorriso sapiente - Então, é feito de várias matérias-primas!
- Ah... - disse o jovem.
A partir daquele momento desliguei-me da conversa, desiludido. Em vez de dar uma resposta cabal para suster o crescimento do jovem brasileiro, o senhor de bigode dá a resposta mais redundante possível.
Será esta a principal forma de conhecimento do nosso país? Conhecimento pouco profundo, redundante e sobretudo de senso comum?
O comboio é dos meus transportes preferidos contudo, quando as viagens se tornam constantes e não existem distracções como a leitura ou a música, a coisa pode ficar bastante monótona.
Esta experiência ocorreu numa dessas viagens, à noite, depois das aulas, num comboio suburbano entre Porto e Aveiro.
Ia eu a pensar nos grandes dilemas do mundo quando, em Ovar, entra um jovem casal brasileiro juntamente com um outro português, perto dos 50 anos, com uma filha. Sentaram-se perto de mim e iniciaram uma conversa incessante.
Pelo que percebi o casal brasileiro estava a trabalhar em Inglaterra, de onde tinham acabado de chegar para visitar alguém no nosso país, antes de seguir para o Brasil de férias. Erradamente, no Porto, apanharam um comboio que terminava a viagem em Ovar, o que os forçou a entrar no meu para seguir para Aveiro. Na espera em Ovar teriam conhecido o casal português e iniciado a conversa.
Então comecei a apreciar o diálogo. Os portugueses, depois de uma exaustiva explicação do funcionamento do sistema ferroviário português, passaram a fazer perguntas sobre a vida do jovem casal (cusquice) em Inglaterra, onde trabalhavam, se viviam bem, onde tinham família no Brasil, etc... Questões que eram respondidas com prontidão, num espírito de abertura próprio do povo brasileiro, mas também com alguma ingenuidade e pureza talvez por causa da sua condição de perdidos no sistema ferroviário de um país que mal conheciam.
Então percebi que se estava naquele momento a criar uma relação entre duas entidades com características que se opunham: experientes (PT) e inexperientes (BR), cicerones (PT) e perdidos (BR), curiosos (PT) e objecto da curiosidade (BR), sábios (PT) e ingénuos (BR).
Entretido com o fenómeno pensei: isto parece uma relação entre o velho país colonizador europeu e a sua colónia.
A certa altura, percebi que o jovem casal começou a questionar sobre o nosso país, ou seja, a liderança da conversa começava a ser posta em causa. Confrontados com a necessidade de resposta, a mulher portuguesa passou a ter um papel passivo, cabendo ao homem liderar a contra-ofensiva usando a sua sabedoria para satisfazer as questões. Contudo, reparei que as respostas eram sempre proclamadas num tom paternalista, parecendo ter o seguinte pensamento subjancente: "ah pobres jovens brasileiros desconhecedores das coisas da vida, recebam o meu conhecimento".
Antes de chegar a Aveiro, o comboio parou em Cacia, onde se situa uma fábrica de pasta de papel do grupo Portucel, a qual liberta um odor nauseabundo.
Foi neste momento que deu o ponto alto da conversa, onde todo a esplendor da sabedoria portuguesa foi emanado.
Perante o cheiro o jovem brasileiro interroga:
- Que cheiro é este?
- Ah, é a fábrica de papel de Cacia. - responde o português.
- O papel é feito de lixo? - questiona o brasileiro com ar enojado.
Perante esta prova de desconhecimento, o português solta um leve sorriso e responde com aquele ar paternalista no intuito de mostrar toda a sua sapiência para brilhar entre os que considera ignorantes:
- Nãooooooo! - pausa para respirar e reforçar o sorriso sapiente - Então, é feito de várias matérias-primas!
- Ah... - disse o jovem.
A partir daquele momento desliguei-me da conversa, desiludido. Em vez de dar uma resposta cabal para suster o crescimento do jovem brasileiro, o senhor de bigode dá a resposta mais redundante possível.
Será esta a principal forma de conhecimento do nosso país? Conhecimento pouco profundo, redundante e sobretudo de senso comum?
2 comentários:
Infelizmente a ignorância do povo português não se fica por aí. No outro dia enquanto almoçava, acompanhei um trabalho jornalístico, que participava um caso de recusa de nacionalidade portuguesa a uma nativa da Índia (creio). A senhora em causa criticava o facto de lhe ter sido recusada a cidadania por não saber o hino ou quem tinha sido o primeiro rei de Portugal. Considero ser de extrema falta de respeito e de interesse o facto de não procurar conhecer um pouco mais do país que a passará a defender ficando-se, com certeza, apenas pelos seus próprios interesses. A reportagem retratou de seguida a lacuna nacional no que diz respeito ao tema. Claro que apenas apresentou indivíduos que também desconheciam as respostas colocadas, tendo sido até levado ao ridículo, mas para meu desagrado acredito que o caso seja aplicado a muitos outros portugueses. Também esses "pequenos conhecimentos" devem ser fazer parte fundamental da formação de cada indivíduo. De certo, sabem como se chamam as personagens dos "morangos com açucar" e toda a trama banal que diariamente é retratada.
Concordo no ponto em que é bem mais grave um português não conhecer a sua pátria do que um aspirante, mas deve haver nem que seja curiosidade! Apenas mais um comentário: não é requisito obrigatório em Portugal saber estas e outras informações à cerca da nossa pátria, no entanto, devia ser incluído na legislação à semelhança do que acontece nos EUA.
"é feito de várias matérias-primas"
Ele ouviu-se a si próprio e soou-lhe a discurso suportado por um conhecimento profundo. Então, para quê especificar os ingredientes?
Sempre me incomodaram os exemplos de valorização do "como se diz" em detrimento do "o que se diz". Usam palavras menos comuns como certificados de cultura, em vez de as usarem para comunicar com maior expressividade e/ou precisão. Tornam-nas palavras "caras", em vez de úteis e oportunas, comprometendo o seu uso por parte dos que evitam parecer vaidosos.
E é facto infeliz que, para muitos efeitos e muitos destinatários, resulta... Penso que uma linguagem "de nível" associada a uma resposta sucinta gera em muitas pessoas a sensação de que questioná-la revela ignorância.
Mas o "Ah..." pode ter sido simplesmente uma forma generosa de terminar a lição da treta.
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